Promessa de neta é cumprida: família portuguesa Matias se reúne no Brasil 61 anos depois

“Minha avó Mariana nunca mais voltou a Portugal e morreu com o desejo de rever seus parentes que ficaram na Europa”

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Marília, 26 de julho de 2025 – por Ramon Barbosa Franco

Havia dois anos que o mundo se enfrentava na Primeira Grande Guerra. Com batalhas concentradas na Europa, nações passaram a sofrer as consequências econômicas do confronto. Em 1916, para os portugueses, as condições não eram nada animadoras. “A saída para as famílias era mesmo ir embora. No caso dos Matias, uns foram para a França e a minha avó Mariana das Neves e seu esposo Antônio Vieira, a solução foi vir para o Brasil”, contou a advogada e professora Zuleida Ortiz Tavares Costa.

Antes de os avós se instalarem em Marília, na recém-inaugurada ferrovia Alta Paulista, a família vinda da Freguesia de Espite — aldeia do município de Vila Nova de Ourém, a 17 quilômetros da cidade mística de Fátima e a menos de 140 quilômetros da capital Lisboa — viveu numa fazenda na zona rural de Araraquara, no centro do Estado de São Paulo. Ali ficaram 12 anos, e, com a chegada do trem nos distritos de Marília e Alto Cafezal em 1928 — embriões do município de Marília, que seria fundado em 1929 — receberam o convite para se mudar. Compraram um terreno do fundador do distrito de Marília, o deputado estadual e secretário de Estado, Bento de Abreu Sampaio Vidal. “Este terreno fica onde hoje é a elétrica Leatti, ali no final da Avenida Sampaio Vidal”, recordou a neta da imigrante portuguesa.

No terreno, os avós de dona Zuleida construíram uma pensão, que serviu de base para imigrantes de outra nação, os alemães. “Eles estavam em Marília para a construção da cervejaria Bavária, que, anos depois, se tornaria a indústria de bebidas da Antártica”, relembrou. O complexo industrial, inclusive, se localizava quase em frente à pensão dos avós e hoje abriga a sede da polícia judiciária em Marília e de duas secretarias municipais. A avó Mariana faleceu em 1964, quando Zuleida ainda era uma adolescente, de apenas 16 anos de idade. Após ter ficado viúva, a avó portuguesa se mudou para a casa dos pais de Zuleida e ambas dividiram o mesmo quarto. “Ela sempre me contava à noite, antes de dormir. Contava-me que sentia uma profunda saudade da família que havia ficado em Portugal, queria notícias dos familiares e também queria contar o que havia feito por aqui, pelo Brasil, sobretudo em Marília”. Neste período de convivência, a adolescente Zuleida fez uma promessa à avó: iria reencontrar os Matias. “Tanto os que ficaram em Portugal, quanto os que emigraram para a França”. Os pais de dona Mariana tiveram oito filhos, mas em função de uma série de condições — inclusive as de saúde diante da gripe espanhola e as precariedades causadas pela Primeira Grande Guerra — somente três sobreviveram. Um dos irmãos de Mariana emigrou para a França, chegando a morar em barracas de lata para conseguir trabalhar na construção de Paris. Outro ficou em Espite.

O reencontro

Em 2014, Zuleida e o esposo Emanuel Tavares Costa embarcaram para Portugal com a missão de cumprir a promessa feita 50 anos atrás: a de reencontrar os familiares europeus. “Foi difícil localizar os documentos de registro, mas quando, enfim, encontrei, a emoção foi muito forte”, contou. O que Zuleida não sabia era que um primo, Mário Marques da Silva, filho de Joaquim Gonçalves da Silva, estava compondo a árvore genealógica da família e, justamente, faltava o tronco que havia emigrado para o Brasil, ou seja, os descendentes da sua tia Mariana das Neves, a avó de dona Zuleida. “Ficamos de 1916 a 2014 sem qualquer contato e, a partir deste reencontro com Zuleida e seu esposo, restabeleceram os laços”, destacou Mário, que em 2016 veio ao Brasil e agora, em 2025, retorna para o 2º Congresso da Família Matias. O 1º aconteceu em 2022 em Fátima, na região onde os Matias nasceram, a partir do casal Quitéria e José Gonçalves, que tiveram oito filhos, contudo, apenas três sobreviveram: Matias, José e Mariana — que se mudou para o Brasil e nunca mais voltou.

Hoje, são 856 famílias que compõem os Matias, sendo 352 só no Brasil. Existe o ramo de Portugal e o ramo na França, composto, por exemplo, por primos como Rolim da Costa, Máximo da Costa Gonçalves e a jovem Laura Gonçalves, que visita o Brasil pela primeira vez neste ano de 2025.

“Posso dizer que acompanhei de perto a dor da minha avó por notícias da família, pela ausência dos irmãos e sobrinhos. Ela e meu avô deixaram Portugal em um navio, viajaram por 30 dias. Vieram com seis filhos e aqui nasceram outros dois. A base da família Matias no Brasil é em Marília, mas também estão em outras cidades de São Paulo e do Mato Grosso do Sul. Hoje, posso dizer que consegui cumprir a promessa que fiz à minha avó: a de reunir a família novamente”, concluiu.

Ramon Barbosa Franco é jornalista diplomado e escritor, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’, ‘Getúlio Vargas, um legado político’, ‘A próxima Colombina’, ‘Contos do Japim’, entre outras biografias, novelas, romances e histórias em quadrinhos.

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